sexta-feira, 19 de julho de 2013

Romeo

Não entendia o que estava fazendo no hospital. Ainda era tudo muito confuso. Acordava e dormia sem ter noção de tempo e espaço. Cada rosto era uma incógnita. Não identificava quem era funcionário, amigo ou familiar. Até que pedi ao meu médico que suspendesse as visitas e me deixasse assimilar toda a situação. Aquele entra e sai, perguntas sem respostas, apresentações, fotos, tudo era massacrante... só de lembrar minhas dores de cabeça aparecem novamente. A única pessoa que me trazia a sensação de paz era o Romeo, talvez pelo motivo de ter sido um dos primeiros rostos que eu vi após meu retorno à consciência. Mesmo não sabendo mais quem eu era, consegui identificar naqueles olhos uma segurança que jamais entendi o motivo, pelo menos nesta minha nova vida. Eu não sabia quem ele realmente era, e porque estava ali, mas sabia que aquele rosto me transmitia a tranquilidade necessária para tentar recomeçar. 

Romeo tinha uma vantagem maior sobre meus amigos e familiares, seu pai era um dos chefes da equipe médica do hospital, então meu amigo entrava e saía na hora que quisesse do meu quarto. Ele também era uma graça, tinha uma lábia que convencia qualquer enfermeiro de que ele deveria estar ao meu lado naquele momento. E esteve. Não o tempo todo. Mas esteve durante o tempo que pode. Ele era uma das únicas pessoas que não me parecia "um estranho", não sei o tipo de relação que eu tive com ele antes do meu acidente, apenas sei que de alguma forma fui importante para ele. Durante o tempo que estive no hospital, tentando recuperar algum resquício de memória, ele falava coisas aleatórias comigo, como música clássica, jazz, filme, seriados. Ele me levou temporadas inteiras de "game of thrones", falava com uma empolgação sobre esta série, que eu mesmo sem gostar dela, acabei gostando. Sim, ele consegue fazer isso com as pessoas. Lembro que ele dizia que eu escrevia bem, mesmo  nunca tendo certeza de que ele lia minhas anotações. Tinha dias que ele entrava no quarto e cantarolava alguma composição sua no piano, rindo e falando coisas obscenas sobre as enfermeiras do hospital. Ele era um tarado, e eu achava isso muito engraçado. Nunca me desrespeitou, nem tentou nada, até porque eu nunca fui linda ou gostosa. E no hospital, estava mais para fantasma do que para gostosona. 

Por diversas vezes, o horror de não saber quem eu era ou a falta de ter um passado,   me fizeram pensar em desistir, em me questionar se não teria sido melhor a morte. Misteriosamente, neste momentos, ele me ligava, mandava mensagens com piadas idiotas, ou aparecia com alguma coisa diferente para fazermos. As vezes eu não atendia o celular, mas sorria ao ver o nome dele me chamando. Sentimentos que eu não sei explicar, ou não lembro da explicação mesmo. A vantagem de perder a memória, no caso do meu amigo Romeo, é que se um dia magoei ele, jamais vou me punir por isso, pois não lembro, e isso me dá um alívio. Jamais ia querer levar para o resto de minha vida uma culpa destas. Meu querido amigo. Uma das primeiras pessoas que enxerguei logo que abri meus olhos, não era nenhum Brad Pitt, mas era um rosto que me trazia paz. Estranho que quase ninguém comentava como era a nossa amizade e relação antes do acidente. E a falta de coragem de investigar o meu passado, ocultaram nossa relação anterior. Meus amigos que dizem me acompanhar há anos, não convivem com ele, não falam sobre, eu acho estranho. No início até me preocupava com esse detalhe, mas depois que descobri que recuperar a memória era quase um milagre divino, deixei que estes detalhes ficassem para trás. A amizade que eu tinha com Romeo após meu acidente, faria qualquer problema do passado parecer insignificante. 

Tive dias em que ninguém suportava ficar perto de mim, acho que a chatice era uma característica de minha velha personalidade. Quem aguentava minhas crises era ele. Com namorada, trabalho, estudos, família, ele me socorria com mensagens curtas, que tinham grande significado. Cada vez que pensei em desistir de tudo, da fisioterapia, dos esforços diários de recuperação, ele apenas me enviava um: NÃO. Aquele não trazia uma vasta mensagem de apoio implícita. Embora ele nunca tenha notado, eu acho. Quando o Marcelo estava por perto, Romeo assumia uma aura de preocupação. Ele tinha um pé atrás com aquele que dizia ser meu namorado antes do acidente. Eu nunca entendi os comentários do meu amigo. E não sei se um dia vou querer saber, apesar de ter questionado seus comentários diversas vezes, ele sempre tinha a resposta na ponta da língua: "você foi uma mulher de muitos amigos, de diferentes grupos de amigos, contabilizá-los seria impossível" e assim mudava de assunto e ria da minha cara de brava.


Este texto faz  parte do livro que estou escrevendo. Postei como um teste, portanto, ele não passou por revisão e nem por correção ortográfica. 

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